Ex-governador de São Paulo e atual senador da República, o economista José Serra fez duras críticas ao texto da Reforma Tributária já aprovado na Câmara dos Deputados, e disse que o texto, até agora, não passa de “um amontoado de lugares comuns sobre tributação e assustadoras ameaças federativas e operacionais”. As ponderações sobre a matéria, que agora será votada no Senado Federal, foram feitas em artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo, edição desta quinta-feira (13/07).
Assim como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que tem se colocado como uma das principais vozes contra o texto da reforma, em defesa do pacto federativo e da autonomia dos estados e municípios, José Serra, que já foi duas vezes ministro de Estado, sustenta que a distribuição dos recursos aos entes federados pelo chamado Conselho Federativo, que será composto por 27 representantes dos estados e 27 dos municípios, é uma tarefa operacionalmente impossível e fere o pacto federativo previsto na constituição. Em alusão a esse conselho, Serra diz que a reforma cria um “simulacro de Governo Central”, que seria uma espécie de quarto poder da República, com forças para ser o primeiro deles.
“Seria indispensável a mensuração instantânea do saldo líquido das balanças comerciais interestaduais e intermunicipais para a alocação da receita dos entes exportadores líquidos para os correspondentes entes consumidores. Essa tarefa, operacionalmente impossível, será executada por um Conselho Federativo, um simulacro de Governo Central, que coletará a totalidade da receita dos Estados e dos municípios, e fará a partilha a partir do monitoramento da totalidade das operações interestaduais e intermunicipais. Percebe-se, aqui, a insanidade da proposta e o tamanho da ameaça ao equilíbrio federativo”, avalia.
Noutro ponto de convergência com o governador goiano, José Serra explica que as administrações tributárias estaduais e municipais passarão a ter a função meramente burocrática de auditoria dos livros fiscais dos contribuintes, tendo estes de submeter sua escrita fiscal a duas diferentes administrações tributárias, que auditarão os mesmos fatos geradores. “Certamente, essa não é uma boa ideia”, assegura.
José Serra critica, inclusive, o pretexto de simplificação, usado pelos defensores do texto da Reforma Tributária para convencer, sobretudo, os empresários brasileiros da necessidade de se promover as mudanças. Para o economista, essa ideia de simplificação não se sustenta, já que a cada rodada de negociação, e a cada grito de setores da cadeia produtiva, a lista de exceções à tributação uniforme aumenta.
“Já foram aquinhoados um sem-número de setores como saúde, educação, transporte público coletivo urbano, cesta básica, aviação regional, produção rural e por aí vai. A autonomia dos 26 Estados, do Distrito Federal e dos 5.568 municípios será preservada com competência para que cada um defina a própria alíquota. Some-se a isso, potencialmente, mais 5.597 cotas de IBS. O discurso da alíquota única é, meramente, um discurso”, frisa, chamando de extravagância conceitual a implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) na competência municipal.
O senador também chama a atenção para o fato de que, segundo sua análise, o setor de serviços sofrerá óbvio aumento de carga tributária, e que isso vai ocorrer porque aqueles que formularam a Reforma Tributária argumentam que serviços são majoritariamente consumidos por ricos, o que não é bem verdade, sustenta. Para José Serra, o setor do agronegócio, segmento que alavanca o PIB brasileiro, não ficará em boa situação, uma vez que o enorme descompasso temporal entre a compra dos insumos agrícolas, que serão tributados, e a venda da safra deixará estocado no celeiro um enorme volume de saldo credor do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), IVA que será criado em substituição ao ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Serra termina dizendo que a inclusão da competência para que os estados possam instituir contribuição sobre produtos primários, feita de última hora, aumentará o que chamou de confusão tributária. Segundo o economista, as principais distorções do atual sistema tributário estão sendo mantidas intactas. “O parecer garante os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus até 2073, por meio de repasses da União. O Simples Nacional, outro aleijão do sistema tributário, também seguirá intacto”, pontua.