A recente aprovação, por 315 votos, de uma Resolução da Câmara dos Deputados que impede o prosseguimento da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem no Supremo Tribunal Federal (STF) revela um episódio alarmante de afronta institucional e de desrespeito à Constituição Federal. A decisão da Casa Legislativa não apenas ignora o ordenamento jurídico brasileiro — que não confere ao Legislativo poder para anular decisões do Judiciário — como também escancara o uso político e ideológico do poder legislativo para proteger aliados, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O caso é emblemático e carrega implicações muito mais profundas do que a blindagem de um deputado. Ao tentar constranger uma decisão legítima da Primeira Turma do STF, a Câmara sinaliza ao país que está disposta a atropelar a separação entre os Poderes para atender a interesses político-partidários. A tentativa de barrar a responsabilização de Ramagem, que é réu em ação penal por tentativa de golpe de estado e outros quatro crimes, não pode ser dissociada da articulação para proteger outros réus, entre eles Bolsonaro, no contexto das múltiplas investigações que correm no STF sobre a tentativa de golpe e os ataques à democracia.
Mais grave ainda é o simbolismo dessa atitude. A Câmara dos Deputados, instituição que foi uma das principais vítimas da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, ao invés de agir como guardiã da ordem democrática, se torna cúmplice da sua corrosão. Ao dar palco e respaldo às narrativas bolsonaristas, o Legislativo ajuda a manter viva a agenda golpista que culminou nos ataques às sedes dos Três Poderes. Em vez de isolar e repudiar os golpistas, a maioria da Câmara age para integrá-los e protegê-los, legitimando retrocessos e desafiando abertamente os pilares do Estado de Direito.
Esse movimento revela que o golpe não terminou em 8 de janeiro. Ele apenas mudou de forma e de trincheira: antes articulado nas sombras e nas redes, agora se desenvolve dentro das instituições, com o beneplácito de um dos Poderes da República. A omissão — ou pior, a colaboração — da Câmara representa uma inversão perversa dos papéis republicanos. A Casa que deveria proteger o país de ameaças autoritárias se torna um canal para sua perpetuação.
É preciso denunciar com veemência a gravidade desse precedente. Democracias não se desfazem apenas com tanques nas ruas, mas também com votos no Parlamento que rasgam, sorrateiramente, os fundamentos constitucionais. Quando os representantes do povo agem contra a Constituição, em nome de alianças políticas e ideológicas, a democracia entra em estado de alerta máximo.
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